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Forma de execução dos exercícios livres

Uma das principais variáveis do treinamento de força é a forma de execução dos exercícios, considerada um dos fatores que pode determinar o resultado final de um ciclo de treinamento, tanto com objetivos estéticos quanto terapêuticos. Talvez, por isso, seja motivo de tantas controvérsias. No entanto, a maioria das discussões não possui embasamento teórico-prático, muito menos científico. Normalmente, os temas sobre esse assunto abordam as vantagens em reduzir a amplitude do movimento, o que possibilita a utilização de uma maior carga, justificando que isso poderia contribuir para uma maior hipertrofia muscular. Além disso, há o mito de que grandes amplitudes de movimento aumentariam os riscos de lesões. No entanto, ao contrário disso, já está documentado que existe uma relação direta entre amplitude do movimento e estresse fisiológico (GENTIL, 2011; NOSAKA e SAKAMOTO, 2001) e que a utilização de amplitudes completas, como as realizadas pelos levantadores de peso, dificilmente causariam lesões (RASKE e NORLIN, 2011; GRANHED et al., 1988). Um exemplo desses achados são estudos de médio e longo prazo que demonstraram não haver prejuízos na articulação do joelho (instabilidade, lesão e frouxidão) na execução do agachamento em profundidade (MEYERS, 1971; PANARIELLO et al., 1994). Inclusive poucos sabem que durante o agachamento a tensão nas estruturas articulares é significativamente menor que em outras atividades, como a caminhada. Isso acontece porque nos ângulos finais da fase excêntrica do movimento há uma maior ativação dos ísquios tibiais e dos músculos da panturrilha, o que diminui a sobrecarga na articulação do joelho (ISEAR et al., 1997; ESCAMILLA, 2001). Com relação à forma de execução dos exercícios com peso livre, é importante destacar algumas variáveis importantes como: a ação da gravidade (vetor no sentido vertical direcionado para baixo), o sistema de alavancas (no corpo humano os ossos são as linhas retas, bastões que se estendem ao longo de um segmento corporal, e as articulações, os eixos), a magnitude da força aplicada pelo músculo, que depende dos ângulos utilizados no movimento (ângulos de vantagem e desvantagem mecânica) e, por fim, o aproveitamento dos ângulos finais da fase excêntrica do movimento. Força da gravidade: A gravidade (G) é considerada a força de atração da Terra, pois puxa todos os corpos em direção ao seu centro. Ela atua exatamente no centro de gravidade (CG) de um corpo (ponto imaginário pelo qual esse corpo poderia ser suspenso, permanecendo em equilíbrio, independentemente de como fosse girado). Em um objeto simétrico o CG está localizado no seu centro geométrico (WIRHED, 1986; RASCH, 1991). A força da G é representada por uma seta (vetor), que possui um comprimento (magnitude) e um sentido. Este último é indicado pela ponta da seta. Assim, podemos dizer que a representação da força da G é um vetor na vertical direcionado para baixo. Já o peso (P) de um corpo é a força com que a terra o atrai. Para calculá-lo temos que multiplicar sua massa, em kg, pela força da G, que é 9,8 m/s². Normalmente, para facilitar o cálculo, esse valor é arredondado para 10 m/s². Assim, por exemplo, a força peso de um atleta com 70kg de massa corporal durante um salto em altura é aproximadamente 700N (WIRHED, 1986). Dessa maneira, podemos concluir que, durante a execução dos exercícios com peso livre, devemos aproveitar o máximo do sentido vertical (para baixo e para cima). Por exemplo, o crucifixo com halteres, que é um exercício direcionado para o músculo peitoral, jamais poderá ser realizado em pé, pois a forma de execução tenderá a horizontalidade (para os lados), o que diminui a ação do peitoral e aumenta a dos deltóides (trabalhando em isometria). Desta maneira, a forma de execução mais eficiente do crucifixo com halteres é na posição supinada, o que possibilitará aproveitar melhor ação da G. Sistema de alavancas: Para analisar melhor a ação da G durante os exercícios com peso livre, temos que estudar o sistema de alavancas, pois o esqueleto humano, com suas estruturas, forma perfeitamente um conjunto de alavancas. Os ossos, nesse conjunto, são as linhas retas (bastões) que se movimentam em eixos (articulações) (RASCH, 1989). Durante os exercícios com peso livre, a força que faz a alavanca funcionar é fornecida pela contração muscular, aplicada na sua inserção, enquanto a resistência está no centro de gravidade do implemento (halteres, barras, anilhas) a ser erguido. Para fazer a barra girar, no caso do corpo humano, um membro se mover, é necessário que a força exercida pelo músculo vença a resistência do peso. As alavancas são divididas em três classes de acordo com as posições relativas do eixo, da força e da resistência: Alavanca interfixa: O eixo fica entre a resistência e a força. No corpo humano, um exemplo desse tipo de alavanca é a articulação do cotovelo no exercício chamado rosca tríceps na polia, onde o eixo é a articulação do cotovelo, a força é a gerada pelo músculo, sendo representada pela sua inserção, e a resistência é a força contrária aplicada no cabo. Alavanca inter-resistente: A resistência fica entre o eixo e a força. No corpo humano, um exemplo desse tipo de alavanca é a articulação do tornozelo no movimento chamado flexão plantar. O eixo é a articulação matatarsofalangeana a força é a gerada pelos músculos da panturrilha, e a resistência é o peso corporal. Alavanca interpotente: A força fica entre o eixo e a resistência. No corpo humano, um exemplo desse tipo de alavanca é a articulação do cotovelo no exercício chamado de rosca bíceps com halteres. Sendo o eixo a articulação do cotovelo, a força é a gerada pelo músculo, sendo representada pela sua inserção, e a resistência é a força contrária aplicada no peso do halter. Apesar de os exercícios com peso livre tenderem à verticalidade, o movimento das alavancas é rotatório (angular), fazendo com que a força que faz os ossos girarem nas articulações seja denominada de torque. Torque: Quando uma força é aplicada fazendo com que uma haste gire em torno do seu eixo, diz-se que a força gera um torque. A tendência a girar depende da quantidade de força aplicada e a distância entre o eixo e a resistência e a distância entre o eixo e a força (RASCH, 1991). A distância entre o eixo e a resistência é chamada de braço de resistência BR, que é a distância entre a articulação e a aplicação da resistência. Na rosca bíceps (flexão de cotovelos), seria a distância entre o cotovelo e as mãos, exatamente no meio do GC do halteres. Assim, quando um membro corporal estiver paralelo ao solo será o o maior torque, pois nesse ponto é o maior BR. Lembrando que a gravidade age sempre verticalmente, para baixo, posição perpendicular ao braço da alavanca. Então, no exemplo anterior o ponto de maior dificuldade do movimento é quando o cotovelo atinge 90º de flexão (CAMPOS, 2000). A distância entre o eixo (articulação) e o ponto de aplicação da força (inserção muscular) chamamos de braço de força BF, que é verificado ao traçar uma linha perpendicular ao vetor força, intersectando o eixo da articulação (CAMPOS, 2000). Segue abaixo e exemplo de uma alavanca interpotente com seus respectivo braço de resistência e braço de força: E= eixo (ponto fixo ou ponto de apoio). R= resistência (peso do objeto). BF= braço de força: distância da articulação a inserção muscular. BR= braço de resistência: distância da articulação ao CG do peso a ser erguido. O torque muda conforme muda o braço de resistência, isto é, já que a força externa permanecerá constante, a força aplicada pelo músculo dependerá do ângulo que se encontra a articulação, isto é, o comprimento do braço de resistência. Ângulos de vantagem e desvantagem mecânica Chamamos de ângulos de vantagem mecânica aqueles onde a força aplicada pelo músculo é muito pequena ou mesmo nula. Por exemplo, no movimento de elevação frontal dos braços, verificamos que o início do movimento é extremamente fácil. Nesta posição, os membros superiores se encontram na vertical, coincidindo com o vetor da gravidade (BR quase nulo). Mas, à medida que os braços se elevam, o exercício se torna cada vez mais difícil, e quando o braço fica paralelo ao solo (perpendicular ao vetor da gravidade) é o ângulo de maior dificuldade (maior BR) . Então, esses ângulos onde os membros ficam próximos a horizontal, paralelos ao solo, chamaremos de ângulos de desvantagem mecânica, posições de maior dificuldade do exercício. Agora, quando os membros ultrapassam esses ângulos, o braço de resistência volta a diminuir podendo chegar a coincidir com o vetor da gravidade, ponto onde há muitas vezes o encaixe articular anulando praticamente a força aplicada pelo músculo, voltando a ser considerados ângulos de desvantagem mecânica. É importante destacar que nem sempre o ângulo de 90º da articulação é o ângulo de maior dificuldade. O ideal é verificar se o membro está paralelo ao solo, isto é, perpendicular ao vetor da gravidade. Um exemplo disso acontece durante a execução do agachamento. O ângulo de maior dificuldade do movimento é quando a coxa está paralela ao solo e não a 90º de flexão dos joelhos.

Durante a execução dos exercícios com peso livre existe o torque externo, forças que operam fora do corpo fazendo resistência ao movimento, e o torque interno, que é a força muscular agindo na sua inserção. Exemplo: no exercício de rosca bíceps, os halteres exercem um torque externo no sentido da ação da gravidade e o músculo bíceps exerce o torque interno na direção oposta. Os fatores que fazem o braço girar em sentido a extensão são o peso do halteres (na mão) e a sua distância do eixo, o braço de resistência (CAMPOS, 2000). É possível fazer um cálculo matemático e estimar a força aplicada pelo músculo que faz uma articulação girar. No entanto, em cada ângulo do exercício a magnitude do torque será diferente. Um método para calcular esses valores é multiplicar a força peso pelo comprimento do braço de resistência: T = P x BR (WIRHER, 1986; RASCH, 1991; CAMPOS, 2000). Seguem abaixo duas situações do mesmo exercício com valores de torque diferentes. P = m x g g = 10 m/s² T = P x BR Força muscular = Torque F = T F = P x BR F = (m x g) x BR F = (5 x 10) x 20 F = 50 x 20 F = 1000N F = T F = P x BR F = (m x g) x BR F = (5 x 10) x 25 F = 50 x 25 F = 1250N No exemplo acima, podemos perceber que no primeiro caso o braço de resistência é maior pois o membro está perpendicular ao vetor da gravidade, paralelo ao solo. Assim, a força muscular será maior (ângulo de maior desvantagem mecânica). Ângulos finais da fase excêntrica do movimento: Apesar de os ângulos finais da fase excêntrica serem considerados ângulos de vantagem mecânica, é importante frisar que contrações musculares a partir de ângulos elevados (músculo estirado) produzem maior estresse fisiológico (NOSAKA & SAKAMOTO, 2001, GENTIL, 2011). Isso pode ser explicado pelo aumento das micro-lesões causadas por um maior alinhamento irregular dos sarcômeros, um dos fatores que contribui para hipertrofia (GENTIL, 2011; MCCULLY et al., 1986; ARMSTRONG et al., 1991). Além disso, o ganho de força ao realizar uma maior amplitude de movimento é maior (MASSEY et al., 2005). Ângulos finais da fase concêntrica do movimento: Na execução dos exercícios com peso livre, os ângulos finais da fase concêntrica são considerados ângulos de vantagem mecânica, pois nesse ponto do movimento o músculo perde a tensão pelo fato de não aproveitar a ação da gravidade, principalmente quando há o encaixe articular. Nesse sentido, é recomendado que esse pontos sejam evitados para assim aumentar o trabalho muscular. Conclusão: forma mais eficiente da execução dos exercícios com peso livre: Segundo os relatos acima, podemos destacar alguns pontos a serem analisados durante a prescrição dos exercícios com peso livre com o objetivo de torná-los mais eficientes. 1) Aproveitar o máximo do sentido vertical (para baixo e para cima). Exemplo: o crucifixo com halteres (exercício para os peitorais) jamais poderá ser realizado em pé. Pois, a forma de execução tenderá a horizontalidade (para os lados), o que diminui a ação do peitoral e aumenta a dos deltóides (trabalho isométrico). Desta maneira, a forma de execução mais eficiente será na posição supinada, o que possibilitará aproveitar melhor o sentido vertical e consequentemente a ação da G. 2) É importante conhecer como funciona o sistema de alavancas e identificar qual o tipo se encaixa em cada exercício. 3) Identificar qual parte do corpo humano corresponde a cada componente de uma alavanca. Principalmente o eixo (articulação), o braço de força (distância do eixo e a inserção muscular) e o braço de resistência (distância do eixo ao CG do peso a ser erguido). 4) Estudar o conceito de torque, pois dessa maneira será possível ter uma noção da força exercida pelo músculo em cada ângulo do movimento. 5) Aproveitar os ângulos finais da fase excêntrica, pois, apesar do braço de resistência ser pequeno ou quase nulo, já foi comprovado que a incidência das micro-lesão é maior em contrações a partir do músculo alongado. Uma dica para não diminuir o trabalho muscular é realizá-lo sem pausas. Exemplo 1 - rosca bíceps com halteres - estender completamente os cotovelos, no entanto, ao chegar ao final da fase excêntrica não realizar pausa e sim permanecer com o movimento contínuo. Exemplo 2 – agachamento livre com a barra - descer profundamente aproveitando o máximo da amplitude, mas não permanecer embaixo. O exercício deve ser realizado sem pausas. 6) Não permanecer ou mesmo não finalizar a fase concêntrica do movimento, pois assim, não haverá possibilidade da musculatura alvo “relaxar”, devido ao encaixe articular o que torna o braço de resistência nulo (ângulo de vantagem mecânica). Exemplo 1 - rosca bíceps com halteres – não realizar a flexão completa do cotovelo, pois no final da fase concêntrica o braço de resistência é muito pequeno (ângulo de vantagem mecânica). Exemplo 2 – agachamento livre com a barra – não subir até estender completamente os joelhos, pois nesse momento há o encaixe da articulação anulando completamente o braço de resistência.


Referências Bibliograficas: ARMSTRONG RB, WARREN GL, WARREN JA. Mechanisms of exercise-induced muscle fiber injury. 12(3):184-207. Sports Med. 1991 CAMPOS MA. Biomecânica da Musculção. Editora Sprint. RJ. 2000. ESCAMILLA RF. Knee biomechanics of the dynamic squat exercise. 33(1):127-41. Med Sci Sports Exerc. 2001. GENTIL P. Bases Cientificas do Treinamento de Hipertrofia. Editora Sprint. RJ. 2011. GRANHED H, MORELLI B. Low back pain among retired wrestlers and heavyweight lifters. 16(5):530-3. Am J Sports Med. 1988. ISEAR JA, ERICKSON JC, WORRELL TW. EMG analysis of lower extremity muscle recruitment patterns during an unloaded squat. 29(4):532-9. Med Sci Sports Exerc. 1997. Massey BH, Chaudet NL. Effects of heavy resistance exercise on range of joint movement in young male adults. 27:41-51. Research Quaterly. 1956. McCULLY KK, FAULKNER JA. Characteristics of lengthening contractions associated with injury to skeletal muscle fibers. 61-293-299. J Appl Physiol.1986. MEYERS EJ. Effect of selected exercise variables on ligament stability o fthe knee Res Q 49:411-422. 1971. NOSAKA K & SAKAMOTO K. Effect of joint angle on the magnitude of muscle damage to the elbow flexors. Med Sci Sports Exerc. 33(1). 22-29, 2001 PANARIELLO RA, BACKUS SI, PARKER JW. The effect of the squat exercise on anterior-posterior knee translation in professional football players. 22(6):768-73. Am J Sports Med. 1994. RASCH PJ. Cinesiologia e Anatomia Aplicada. 7ª ed. Editora Guanabara-Koogan. RJ. 1989. RASKE A, NORLIN R. Injury incidence and prevalence among elite weight and power lifters. 30(2):248-56 Am J Sports Med. 2002. WIRHED R. Atlas de Anatomia do movimento. Editora Manole. SP. 1986.

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